16 de novembro de 2010

Meu terceiro Outono

O meu primeiro outono aqui eu nao me dei conta, por que tudo era puro encantamento...esses olhos de criança que esta vendo tudo pela primeira vez...mas nesse meu terceiro outono-outono, aqui as estaçoes sao bem marcadas, e voce pode apreciar cada nova mudanças na paissagem, esse processo lento e sabio da mae natureza...hoje eu vejo que esse processo tambem influi muito em mim.
A primeiro vez que li esse texto ha algum tempo atras, ele mexeu comigo, mas hoje ele tem um significado diferente pra mim, talvez por que sinto um pouco do que ele fala... por que Rubem Alves é certeiro em muito do que escreve, e como nao sou tao boa com as palavras como ele, deixo aqui o texto, que pode parecer triste, mas pra mim ele é mais belo do que triste, extamente como ele diz: "Também somos belos e tristes..." 


OUTONO

"Foi-se, finalmente, o Verão, não sem antes, fazer algumas grosserias e malcriações: trovejou, relampejou, choveu, inundou. Não queria ir embora. Compreendo. Queria ficar para ver e namorar o Outono, que é muito mais bonito que ele. Verão, quarentão: recusava-se a aceitar os sinais da passagem do tempo. Não queria dizer adeus. Gostaria de ficar. A vida é tão boa! Mas o tempo é implacável. O Sol disse que a hora do seu adeus havia chegado. Foi se inclinando no céu, suas viagens cada vez mais curtas, as noites mais longas, o crepúsculo chegando mais cedo, as manhãs chegando mais tarde. O vento antes convidava a que se tirasse a camisa. Agora ele causa arrepios e chama os agasalhos das gavetas onde dormiam. O céu fica mais azul. Deve ter sido numa tarde de Outono que os Beatles compuseram aquela balada que canta: “...because the Sky is blue it makes me cry...” E o verde das plantas fica mais verde. O Verão é inquieto. Tudo nele convida a sair e a agir. O Outono é tranqüilo, introspectivo, convida ao recolhimento e à meditação. É um convite ao pensamento.

Gosto especialmente das suas tardes. O Verão é a estação do meio-dia. O Outono vive mais ao sol que se põe. E como são belos os dois, O Outono e as tardes. Há uma pitada de tristeza misturada no ar. “O que é bonito enche os olhos de lágrimas”, diz a Adélia. Os dois se parecem porque os dois estão cheios de adeus.

A tarde é este sossego do céu com suas nuvens paralelas e uma última cor penetrando nas árvores até os pássaros.
É esta curva dos pombos, rente aos telhados, este cantar de galos e rolas, muito longe; e, mais longe, o abrolhar de estrelas brancas, ainda sem luz...

Na cidade onde eu vivi, no interior de Minas, ao crepúsculo se tocava a Ave Maria, e era como se toda a natureza parasse e rezasse. Eu gostava de ficar olhando para as árvores: havia uma imobilidade absoluta no ar. Nem um único tremor perturbava a tranquilidade pensativa das folhas. E as nuvens ao poente se coloriam de verde claro, passando pelos, amarelos, laranjas, e vermelhos, até o roxo, que se preparava para desaparecer na escuridão. Tudo belo. Tudo triste. E pensamos pensamentos diferentes daqueles de durante o dia. Para Wordsworth, as nuvens que se ajuntam ao redor do sol que se põe ganham seu colorido triste de olhos que têm atentamente observado a mortalidade dos homens.

O crepúsculo e o Outono nos fazem retornar à nossa verdade. Dizem o que somos. Metaforas de nós mesmos, eles nos fazem lembrar que somos seres crepusculares, outonais. Também somos belos e tristes... Como o Verão quarentão também nós não queremos partir... Paul Bouget nos diz: Quando, ao sol que se põe, os rios ficam cor de rosa e um leve tremor percorre os campos de trigo, parece das coisas surgir uma suplica de felicidade que sobe até o coração perturbado. Uma súplica de degustar o encanto de se estar no mundo enquanto se é jovem e a noite é bela. Pois nós vamos, como se vai esta onda: Ela, para o mar, nós para a sepultura.

Quem quer que pare para ouvir as vozes do Outono e da tarde perceberá que, dentro da sua beleza, nos falam a nossa vida e a nossa morte. Nada de mórbido. Só podem viver bem aqueles que aprendem a sabedoria que a morte ensina.
Foi assim que o professor de literatura, no filme A sociedade dos poetas mortos, iniciou o aprendizado dos seus alunos. Vocês se lembram? Levou-os até uma fotografia onde se encontravam, imobilizadas sobre o papel, pessoas. Agora todas estavam mortas. Também nós, um dia. A lição da poesia é que é preciso contemplar o crepúsculo no horizonte para se sentir a beleza incomparável do momento. Cada momento é único. Não há tempo para brincadeiras. Carpe diem: colha o dia, como algo que nunca mais se repetirá, como quem colhe o crepúsculo, “antes que se quebre a corrente de prata, e se despedace a taça de ouro...” Beba cada momento até as últimas gotas. É preciso olhar para o Abismo face a face, para se compreender que o Outono já chegou e que a tarde já começou. Cada momento é crepuscular. Cada momento é outonal. Sua beleza anuncia seu iminente mergulho no horizonte.

Quando o sol está a pino estas ideias não nos perturbam. Tudo parece estar bem. Há muito tempo ainda. As rotinas do trabalho ocultam a nossa verdade. Mas elas não podem impedir nem que a tarde chegue, com suas cores de adeus, e nem que o Outono chegue, anunciando a proximidade do Inverno. E eles nos forçam a ter pensamentos diferentes, pensamentos de solidão. São mestres silenciosos. Se prestarmos atenção e ouvirmos o que nos dizem, ficaremos sábios. Porque sabedoria é isto: contemplar o abismo, sem ser destruído por ele. Nas palavras de Rilke, “conter a morte inteira, docemente, sem nos tornar amargos".

ALVES, Rubem. O Retorno e o Terno: crônicas. Campinas, SP – Editora Papirus, 1997, p. 95-97. 






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